terça-feira, 14 de agosto de 2012

Noite de março - Crônica



Numa noite escura, chuvosa e fria de março de 1953, o
Destino me acordou, e aos gritos me avisou ter chegado
A hora de eu vir à luz. Assustado com seus gritos ousei
Questiona-lo sobre a que luz ele se referia. Não há luz
Alguma; lhe disse. É noite! Irritado com a minha
Insolência, o destino ignorou os meus desatinos e me
Empurrou bruscamente rumo à saída do ventre que me
Agasalhava, e então caí nos braços de uma parteira e
Assim iniciou a minha vida. A primeira coisa que vi ao
Abrir os meus olhos foi a pobreza, ela era tudo que eu
Via em volta. A pobreza estava nas paredes de adobe,
No cheiro da lenha húmida que queimava em um fogão
Montado sobre três pedras, e que enchia o ambiente de
Fumaça escura, que misturava-se ao cheiro do 
Querosene que insistia em manter acesa a labareda
Que se contorcia na penumbra do ambiente, louca 
Para apagar-se e abandonar o negrinho recem
Nascido que já nasceu reclamando de sua sorte.  

Assustado com a atmosfera onde fui atirado pelo destino,
Chorei e o meu choro era mais que lamento, era um
Protesto, mas a parteira sem entender pinimbas falou:
- Ele está bem, se está chorando é por que bem. - Eu 
Não estava bem coisa nenhuma. Eu chorava por estar
Apavorado com tamanha pobreza! A pobreza, indiferente
Aos meus protestos segurou-me firme em seus braços e,
Agradecida ao destino, sorriu-lhe, e eu nasci. O destino
Revoltado com a minha indignação deixou-me nos 
Braços da pobreza e disse-lhe: - Cuide deste negro 
Chorão. Chorei, protestei e protestei mas não adiantou,
A pobreza nunca apiedou-se de mim, segurou-me firme
Em seus braços e não me deixou escapulir. De vez em
Quando o destino me olhava de soslaio falava: - Ainda
Vais sofrer muito negrinho! Cansado e percebendo ser
Infrutífero os meus protestos, abandonei o lamento, me
Coloquei de pé e coloquei os meus pés na estrada. Saí,
Partir em busca do meu lugar ao sol. 

Sob o sol, percebi que este queima sem piedade os
Desprovidos de privilégios. O sol surrou sem clemencia a
Minha pele negra. Ele me bateu, o sol fez de tudo para me
Convencer de que pobres como eu nunca haveria de 
Encontrar conforto sob a sua luz. O destino assistia mudo
A minha petulância ao reivindicar um lugar à luz, ele
Zombava de mim. O destino divertia-se vendo eu me
Contorcer nos braços da pobreza tentando me colocar de
Pé e então ele me empurrava para que eu quieto ali 
Permanecesse. Já em pé, mas com as pernas fracas,
Ainda cambaleantes, era açoitado pela fúria do destino
Que me atirava ao chão. Eu chorava, eu chorava mas me
Punha novamente de pé, entendia não te nascido para
Ficar jogado no chão, entendi que eu precisava ser tão
Duro para com o destinho, o quanto o meu destino era
Duro para comigo. Ao perceber a minha perseverança
Diante das dificuldades, o destino colocou um 
Torniquete em meu pescoço e o apertou. Ele apertava
O toniquete em meu pescoço na proporção da minha
Teimosia em desafia-lo, e eu o desafiava. 

Irado, já no primeiro aperto no torniquete, o destino me
Privou dos meus entes queridos. Num segundo arrocho 
Ele tirou-me o que me restava como familia, e diante da
Minha insistência em desafia-lo, ele levou-me para um
Ofanato onde me esqueceu. No orfanato, torturado pelos
Sofrimentos confessei pecados que nunca cometi, e 
Chorei lágrimas que não tinha para chorar, mas não me
Dei por vencido pelo destino, coloquei-me de pé e 
Caminhei. A minha recusa em render-me as mazelas 
Impostas pelo destino o levava a loucura e ele me 
Torturava dia e noite, e cada noite o castigo era pior.
Ele me torturava mais, quando só eu podia ouvia o ranger
Dos meus dentes. Um dia, tomado de fúria, o destino 
Empurrou-me e eu caí, quando sem querer, em seu 
Exaspero, ele tropeçou em meus pés e caiu em meus 
Braços e o amparei com carinho. O acolhi sobre o meu
Peito como se fora ele um filho meu e, em meus braços,
Sob os meus afagos ele acalmou-se, e murmurou:
- Santo Deus, como tenho sido perverso contigo! - Calmo,
Ele sorriu outra vez, acariciou-me a face com suas mãos
E me deu a luz, e finalmente nasci.

                                          *

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fardo

  Envelheci. O que me foi dado a viver, vivi.  Os meus olhos, agora cansados, vêm, ainda que sem muita nitidez, a hora da minha despedida. V...